quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Sra Arznei.

Era uma noite fria e a chuva fina não cessava nem ao menos para que a Sra Arznei pudesse descer do carro e abrir o portão de sua garagem sem se molhar. Voltara de uma festa com as amigas. O marido foi dormir na casa de um amigo para que não ficasse entediado em casa pensando bobagens sobre a esposa e suas amigas. Ela não gostava de chegar em casa e ficar sozinha. Não era de seu agrado nem mesmo dirigir mais de três quilômetros sozinha em uma noite como aquela. No dia anterior ela havia olhado um filme de terror daqueles que odeia, mas para não desagradar o marido se esforçou ao máximo. Quando voltava para casa no meio do breu e da bruma se lembrava do filme. Tinha calafrios. Só se distraía quando por ventura via algum carro passar ou algum bêbado encolhendo-se embaixo da parada de ônibus fugindo da garoa. Pensava nas pessoas que dirigiam os carros; quem eram, o que estavam fazendo e para onde iam; o que fazia aquelas pessoas andarem de carro numa madrugada daquelas? Era uma noite perfeita para dormir grudado com alguém. Pensava isto porque a festa não tinha sido muito boa e sabia que teria aproveitado mais se tivesse ficado em casa olhando outro filme com o marido.

Alguns gatos às vezes atravessavam a faixa na frente do carro, pareciam tiros no ar. Abaixavam as orelhas e corriam na tentativa desesperada de chegar ao outro lado. Lembrava-se que eram criaturas em processo de evolução e por isso tinham este jeito soberbo, esta procura doentia por qualquer prazer e até mesmo o desejo de sentir a adrenalina de não saber se conseguem atravessar a rua a tempo de não virarem comida para urubus.

Pensava nisso quando percebeu que já estava na rua de casa e viu seu gato preto passeando na chuva completamente despreocupado com a previsão do tempo. A vida de um gato deve ser agitada, sempre há o que fazer, lugares para explorar e lixos para revirar.

A sra Arznei ouviu um barulho estranho e viu que mais um carro havia entrado na rua de sua casa. Não sabia se achava isto bom ou ruim, mas ficara com certo medo daquelas luzes misteriosas. Sorte dela que levou as chaves de casa, pois a quadra estava sem luz e o portão era eletrônico. Desceu com as chaves e percebeu que o carro suspeito parou na esquina, motor e faróis ligados, pronto para arrancar. Mesmo assim ela abriu todo o portão e antes mesmo que ela pudesse tirar as mãos das grades, o carro estranho arrancou e foi até ela. A Sra Arznei teve dor de barriga, mas tentou se mostrar calma. O rapaz da carona baixou o vidro e pediu que ela os acompanhasse. Ela negou se mostrando indiferente e alegou estar esperando seu marido. Os rapazes disseram que sabiam onde ele estava e que ele não chegaria tão cedo. Ela entrou no carro dos rapazes sem se preocupar com nada, deixou a garagem aberta e seu carro com a porta escancarada. O gato observou tudo de longe como quem entendia o que estava acontecendo. Talvez ele seria a única testemunha. Eles arrancaram o carro e o Ron Ron como se prevesse o mal de sua mãe correu atrás deles, mas teve a sua pata machucada; a roda do veículo passou por cima de sua mãozinha sem que o motorista pudesse perceber.

Os desconhecidos falavam de assuntos interessantes, devaneios que a Sra Arznei tinha e nunca dividia com ninguém, pois tinha medo de parecer louca, mas no seu íntimo tinha todas aquelas insanidades como verdade. O egoísmo das pessoas, as evoluções das espécies, intuição, bruxaria e coisas do coração.

No outro dia de manhã, o Sr Gegengift chegou em casa e se deparou com aquela cena: o portão aberto e o carro da esposa na frente. Não entendeu nada. Por um momento pensou que a esposa estava de saída, mas não seria possível, ela ainda estaria dormindo.
"Deve ter chegado tarde ontem à noite." Pensou.
Chegou mais perto e viu o Ron Ron dormindo no banco do motorista. Notou que havia algo errado. A cama estava arrumada e não havia rastros de sua esposa. O celular estava desligado. Nenhum vizinho viu ou ouviu nada. O marido se culpou por ter passado a noite fora, pois notou que a esposa deveria estar em apuros. Ligou para todas as amigas dela, nenhuma tinha notícias da Sra Arznei

Ela tentava se comunicar telepaticamente com o marido, mas parecia não funcionar. Queria dizer à ele que estava tudo bem, que se sentia tranqüila mesmo sabendo que o que estava acontecendo não era normal. Estava com medo do que poderia estar acontecendo com seu marido. Ele poderia estar preocupado, poderia ter chamado a polícia achando que a esposa havia sido seqüestrada ou então poderia não acreditar em nada que ela falasse quando voltasse para casa. Estava co medo que seu marido pensasse toda aquela história absurda de entrar em um carro com dois desconhecidos não passasse de uma mentira para passar o dia com um amante.

Neste momento, Ron Ron entrou no quarto do casal e miou. A Sra Arznei acordou. Olhou para o lado e viu seu marido, dormindo como um anjo.

- Querido? Está acordado?

- Hum... Murmurou o Sr Gegengift

Foi só um sonho!

Levantou-se e foi dar comida ao bichano que miava de fome. Ele tentou correr até seu pote de ração, mas não conseguiu. Sua patinha estava machucada.

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